Mil palavras: Desconectando
Apesar de ter perdido a última passagem do Halley, tive a sorte de nascer e crescer em um mundo desconectado. Mesmo com a possibilidade de ter um smartphone já na vida jovem-adulta, optei por ficar de fora daquela tendência. Me graduei sem smartphone e, inclusive, com pouca internet – passei todo o segundo ano da faculdade só com a conexão da biblioteca da universidade, pois ainda não havia cabeamento na rua em que morava.
Coloquei o mundo digital no meu bolso há exatos dez anos quando estava fazendo mestrado em Sensoriamento Remoto no INPE. Era o único da turma que não tinha WhatsApp e isso nunca me incomodou. Menos ainda o fato de não ter Instagram, nem Twitter. Até minha conta de Facebook naquele momento já estava em desuso há um bom tempo. Em março de 2015, pensando em otimizar trabalhos de campo, comprei um Samsung S4, pois tinha algumas coisas que me ajudariam, como um GPS com uma precisão muito próxima ao Garmin que eu tinha condição de comprar na época. Além disso, o S4 tinha um termômetro e um barômetro – coisas que o Garmin da mesma faixa de preço não tinha.
Por um tempo, então, o WhatsApp passou a ser minha rede social exclusiva. Nos primórdios do meu mundo conectado o tempo (quase) todo, o velho Facebook já tinha morrido e o Instagram ainda não tinha nascido – enquanto o Twitter, bem como o primo mais velho TikTok nunca foram cogitados. Prefiro ser discreto dentro e fora das redes digitais.
Foi um pouco antes disso que comecei a levar a fotografia mais a sério. Comprei minha primeira DSLR antes do meu primeiro smartphone. E já tive mais câmeras DSLR e sem espelho diferentes do que smartphones. Até que, por recomendação – e muita insistência! – de uma amiga fotógrafa, enfim criei minha conta no Instagram em julho de 2017.
Ali encontrei um terreno muito fértil para estudar fotografia. Segui grandes influências, conheci muita gente, descobri trabalhos sensacionais e fiz inúmeros bons contatos, mesmo nunca tendo me dedicado muito a publicar meu trabalho por lá.
Mas aquele Instagram de 2017 também morreu. No lugar, há um ambiente esquisito, pouco interessante, cheio de ruído e propaganda, que tentou ser uma cópia do TikTok, depois tentou ser uma cópia do Twiter e, fracassando em todas as tentativas, deixou de lado aquilo que a fazia única – a fotografia. Um exímio exemplo de pragmatismo às avessas, onde o secundário é o essencial e, por isso, será mais uma rede social a se transformar em museu de lixo digital, como o Orkut, junto ao moribundo Facebook. Talvez o Flashes, a nova rede social aberta da BlueSky com foco em fotografia, preencha uma parte do vácuo digital deixado pelo Instagram, mas isso só o tempo dirá. E não sei se terei a disposição para reconstruir um perfil por lá.
Por isso, me junto a um crescente movimento de desconexão das redes sociais. Mas ao contrário de grande parte das pessoas que estão se livrando especialmente do Instagram, meu caso não é de burnout, dependência ou até mesmo depressão. É a lenta constatação de que essa rede já cumpriu seu papel na minha jornada fotográfica e agora preciso do espaço que ele ocupa na minha vida para dar passos mais largos.
Além disso, por conta deste blog, descobri que gosto de escrever sobre fotografia, e o Instagram é um péssimo lugar para isso, já que os textos são limitados e deliberadamente escondidos pela plataforma. E, talvez por isso, sempre tenha odiado o Twitter/X, antes mesmo de sua guinada política. Aliás, a twittização da ciência e do debate público, com grandes explicações vazias em um número bastante finito de caracteres, certamente vem contribuindo para esse grande abismo intelectual em expansão desde a segunda década deste século. Um vácuo de racionalidade que está sendo preenchido pelos espectros demoníacos da segunda década do século passado.
Mas há muita coisa interessante acontecendo no pequeno e elitista universo mundano da arte fotográfica, como exposições, feiras e eventos. No último final de semana, por exemplo, estive na décima quinta edição do Festival de Fotografia de Tiradentes. Em três dias, vi uma quantidade absurdamente menor de fotos do que poderia ter visto em uma tarde mal gasta no Instagram. E a qualidade dessas observações, com a possibilidade de manusear livros, estudar ensaios e interagir pessoalmente com artistas, é incomparavelmente superior à “experiência” de rolar infinitamente a telinha seja lá onde eu estiver no mundo. Vivenciar três dias de festival me trouxe mais referências e ideias do que os últimos anos no Instagram.
Mesmo me distanciando da rede, meu perfil ficará ativo, pois meu link já está divulgado em muitos espaços. Assim, priorizarei as interações por mensagens, redirecionando os novos contatos para cá. Vou intensificar o uso da lista de emails trimestrais e do próprio blog para apresentar minhas novidades fotográficas ao mundo, com a certeza de que o tempo da minha existência no Instagram foi muito bem aproveitado. Lá eu vi que, de fato, uma imagem não vale mais do que mil palavras, que a forma limitada imposta pela plataforma também limita o conteúdo comunicado e, principalmente, que a aparência daquilo que é visto ali pode não ter absolutamente nada a ver com a essência dos processos factuais, ou seja, com a verdade.
Desconectar do supérfluo é essencial para reconectar com aquilo que realmente importa, para fortalecer laços humanistas e buscar inspirações. Sair do Instagram é deixar de doar meu tempo livre a quem lucra com ele. É o desafio da busca por formas autênticas de comunicação em espaços onde seres humanos sejam agentes e as máquinas meros objetos, o contrário daquilo que qualquer uma das poucas redes sociais digitais tem a oferecer.