Foto do mês (Edição de outubro de 2024): a constelação mais bonita de todos os céus
Após três longos outonos tendo a estrela polar como referência nos céus, voltei para o Brasil em janeiro, como contei na história Mudança. No Hemisfério Norte sentia falta de muita coisa, dentre elas, ver o Cruzeiro do Sul nos céus noturnos. E, desde minha volta, tinha uma dívida pessoal de fazer uma foto com essa pequena, mas muito simbólica, constelação – a menor de todas dentro da mitologia grega.
O Cruzeiro do Sul já era conhecido no Egito antigo, porém ganhou fama após a expansão das navegações européias, por ser uma forma de localização no hemisfério desconhecido pelos colonizadores. Ao seu lado está a nebulosa “saco de carvão”, descrita junto com o Cruzeiro por Mestre João, astrônomo de uma expedição comandada por Pedro Álvares Cabral às Índias que, tragicamente, entrou para a história como o início do Brasil. Em uma carta ao rei de Portugal, escrita em abril de 1500, Mestre João localiza geograficamente a expedição, citando locais conhecidos na costa do continente africano, um mapa misterioso da costa de Abya Yala e esse espaço escuro no escuro da noite, o Saco de Carvão, que ao lado do Cruzeiro do Sul é um ponto muito bonito para observação astronômica e astrofotografia.
As quatro estrelas formadoras do Cruzeiro do Sul, seguindo o conjunto de constelações herdadas da mitologia grega, também é muito usado por outros povos em suas formas de organizar o céu. De mapuches a incas, javaneses a maoris, as mesmas estrelas têm nomes e significados distintos em suas mitologias. Porém, o mais bonito vem do povo kalapalo, que vê as estrelas e a nebulosa em sua totalidade. Para o povo kalapalo, as estrelas são abelhas que saem da sua colméia, representada pelo saco de carvão.
Mas foi em 1854, em seu livro A viagem do Liberdade, que Joshua Slocum, a primeira pessoa a dar uma volta ao mundo velejando em solitário, deu seu veredito. O Cruzeiro do Sul, escreveu Slocum, é a “mais bonita [constelação] de todos os céus”.
Talvez eu tenha uma preferência pela constelação grega de escorpião, que uso para identificar o núcleo da Via Láctea quando faço astrofotografia. Mas quem sou eu nesse universo para discordar de Slocum? Logo ele que conhecia todas as estrelas e mares, e sabia como ninguém do encanto do céu noturno em meio ao Oceano.
Por isso, dedico a foto deste mês ao navegador que, em uma ocasião descrita no livro “Sozinho ao Redor do Mundo” , estava ao comando do barco Northern Lights (Luzes do Norte – como são chamadas as auroras boreais) quando encontrou com um amigo ao comando do barco Southern Cross (Cruzeiro do Sul). Em suas palavras, os barcos eram “tão bonitos quanto seus nomes”, mas seus nomes são fenômenos naturalmente separados por um hemisfério, unidos unicamente pelo mar. E, para mim, as auroras são uma dos fenômenos naturais mais impressionantes que um ser humano moderno pode ver.
Demorei nove meses para gestar a foto do Cruzeiro do Sul e não poderia ter sido de forma melhor. Quando o vi, um pouco alto no céu, com as auroras austrais no fundo e com a lua cheia iluminando a paisagem desértica – como o mar – da Nova Zelândia, pensei em Slocum, em sua admiração pelo Cruzeiro e no Northern Lights. Sozinho, assim como ele em sua maior aventura, tive a certeza de que essa seria a foto do mês. Mais uma vez, trago uma foto que não diz nada sobre a beleza do lugar maravilhoso em que estava, e nem conta uma história. Mas é sobre a minha história pessoal por trás dela e o meu sentimento naquele efêmero momento de uma longa viagem.
Se você nunca teve a oportunidade de ver ou reconhecer o Cruzeiro do Sul no céu noturno, veja o desenho na foto abaixo. As quatro estrelas formam uma cruz e uma quinta estrela, a “intrometida”, completa a constelação. Infelizmente, com essa quantidade de luz por conta da lua cheia, não é possível de visualizar a nebulosa Saco de Carvão na foto, mas ela aparece em outras com auroras austrais que algum dia divulgarei por aqui ou no meu portfólio.