Exposição “Água Pantanal Fogo”: As duas faces de uma planície ameaçada

 

 

Na primavera de 2020, quando as águas deveriam começar a tomar a maior e mais biodiversa planície alagável do Planeta, o que se viu foi exatamente o oposto. A conjunção de dois fatores, de naturezas bem distintas, fez com que ao invés das águas, o fogo cobrisse 30% da área delimitada do Pantanal. 

Distribuição espacial das áreas queimadas no Pantanal em 2020. Fonte: https://doi.org/10.3390/fire6070277

Por um lado, um fenômeno atmosférico de causa natural impediu a entrada das massas de ar úmido sobre o Pantanal, causando a pior seca das últimas décadas na região. Por outro, um ambiente político deliberadamente destrutivo para promover a expansão pecuária se aproveitou da seca para queimar os campos e as savanas naturais com o objetivo de aumentar a área de pastagem destinada à criação extensiva de gado.

 

Para o pesquisador do CEMADEN, José Marengo, a seca de 2020 no Pantanal foi causada por um fenômeno chamado de “bloqueio meteorológico, caracterizado pelo surgimento de uma área de alta pressão que impediu a formação de chuva em toda a região do Centro-Oeste da América do Sul. Consequentemente, a temperatura ficou muito alta, e a umidade relativa, muito baixa”. Em entrevista à Agência FAPESP, o cientista afirmou que “esse fenômeno é natural e aconteceu de modo similar durante a seca em São Paulo, entre 2014 e 2016” e que, não necessariamente, seja um evento relacionado com as mudanças climáticas. Porém, ressalva que este evento é diferente de secas passadas, pois o planeta agora está mais quente e a população no Pantanal exposta a estes fenômenos é maior. 

 

Também é maior a pressão agropecuária para expandir seus domínios sobre o Pantanal. A pecuária tem uma tradição secular muito bem adaptada às planícies pantaneiras, onde há vestígios de ocupação humana há pelo menos 8 mil anos. Porém, sob um governo federal com uma agenda abertamente anti-conservacionista em prol da pecuária extensiva, latifundiários aproveitaram criminosamente a seca para usar o fogo com a finalidade de substituir os campos e savanas naturais por pastagens de gramíneas exógenas ao Pantanal, mas muito bem adaptadas e até invasivas, prejudicando a flora local. A expansão da pecuária extensiva é uma das causas pelas quais todas as espécies de plantas endêmicas do Pantanal estejam ameaçadas, “Em perigo” ou “Em perigo crítico” de extinção e foi a principal causa de tanta área queimada na primavera de 2020. 

 

Como resultado direto desses incêndios, morreram cerca de 17 milhões de vertebrados não-humanos. Além disso, o ecossistema como um todo se fragiliza e sua resiliência a queimadas futuras também diminui. Isso impacta diretamente a vida da população pantaneira que, assim como meia dúzia de latifundiários, também depende da pecuária, porém praticada em uma escala compatível com os ciclos dos ecossistemas alagáveis. 

 

Nesse cenário, o fotógrafo Lalo de Almeida foi um dos que atuou para documentar a destruição do Pantanal e denunciar a atuação, ou melhor, a inação, do governo federal no combate aos incêndios criminosos de 2020. Esse projeto lhe rendeu o primeiro lugar na categoria ambiental do concurso World Press Photo 2021. No ano seguinte, levou o prêmio de projeto fotográfico de longo prazo do World Press com seu ensaio sobre a destruição da Amazônia. A potência de suas fotos, desde o epicentro das tragédias, fala muito mais que os números. 

Macaco queimado, por Lalo de Almeida

Lalo, que fotografa para o imediatismo do meio jornalístico, não tem a pretensão de estar em galerias ou exposições. Porém, suas fotos ampliadas são impressionantes e dignas de sobreviverem ao tempo, nas paredes de exposições e museus. Por este motivo, o curador Eder Chiodetto o coloca na exposição “Água Pantanal Fogo” ao lado de Luciano Candisani, outro dos maiores nomes da fotografia documental em atuação, que traz a exuberância das águas pantaneiras em seu regime natural e esperado de cheias. 

 

Por mais de dez anos, Candisani documentou as águas do Pantanal como ninguém. Sua experiência em fotografia subaquática o levou ao pioneirismo e até a descobertas no ambiente pantaneiro. Um dos primeiros a fotografar as águas geladas da Antártica, também revelou um pantanal subaquático desconhecido. Em meio às águas turvas, Candisani encontrou lugares e formas de retratar a vida subaquática do Pantanal, mostrando de perto a docilidade dos jacarés concentrados em suas presas e parados em pé, como dinossauros. 

 

Jacaré em pé, por Luciano Candisani

 

Preocupado com a destruição, Candisani fotografa as belezas da biodiversidade e das paisagens do Pantanal para alertar sobre seu potencial desaparecimento. Suas fotos lhe renderam vários prêmios, como Wildlife Photographer of the Year, concurso do qual agora atua como jurado, além de inúmeras publicações em revistas como National Geographic. 

 

Assim, em meio à exuberância das águas e a destruição das chamas incontroláveis é que sobrevive o Pantanal. Duas faces de uma mesma realidade que, expostas em uma mesma sala, formam a exposição “Água Pantanal Fogo”. Dois trabalhos documentais independentes que ganham um novo significado quando colocados lado a lado. 

A exposição, inaugurada em 07 de março de 2024, acontece no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo e estará aberta ao público de forma gratuita até o dia 12 de maio. Além das fotografias, os textos curatoriais adicionam informações que sensibilizam para a conservação do Pantanal. Além disso, algumas obras estão à venda para arrecadar fundos às brigadas de combate aos incêndios fora de controle. 

 

 

Para mim, não é nenhum exagero afirmar que é uma das exposições fotográficas mais importantes do ano. Existem atualmente várias outras exposições no Brasil que comentarei no futuro, que merecem atenção e com temas socioambientais de igual relevância. O que diferencia “Água Pantanal Fogo”, além de reunir dois dos principais nomes atuantes da fotografia documental do mundo, é o fato de mostrar os dois extremos de uma realidade de uma forma impactante e ao mesmo tempo bela, como um convite ao público a se mobilizar pelo ambiente. Juntas, as fotografias impressionam e também nos inspiram a esperar por um Pantanal conservado e socialmente equilibrado. Mas aqui, esperar vem do verbo esperançar, ou seja, aquilo que só se realiza na ação concreta por aquilo que se espera. 

 

SERVIÇO

Exposição: Água Pantanal Fogo

Fotógrafos: Luciano Candisani e Lalo de Almeida

Curadoria: Eder Chiodetto

Organização: Documental Pantanal e Instituto Tomie Ohtake 

Abertura: 07 de março

Em cartaz até 12 de maio de 2024

De terça a domingo, das 11h às 19h – entrada franca

Av. Faria Lima, 201 – Pinheiros SP

 

Para saber mais

 

Podcast Vozes do Planeta, 236 – Água Pantanal Fogo – com os artistas Luciano Candisani and Lalo de Almeida, por Paulina Chamorro: https://open.spotify.com/show/4Qbbx1JYKUij2erAMGbtnN

 

Artigos científicos

Marengo, Jose A., et al. “Extreme drought in the Brazilian Pantanal in 2019–2020: characterization, causes, and impacts.” Frontiers in Water 3 (2021): 639204. https://doi.org/10.3389/frwa.2021.639204

 

Pompeu, João. “Performance of an automated conservation status assessment for the megadiverse vascular flora of Brazil.” Journal for Nature Conservation 70 (2022): 126272.

https://doi.org/10.1016/j.jnc.2022.126272

 

Shimabukuro, Yosio Edemir, et al. “Assessment of Burned Areas during the Pantanal Fire Crisis in 2020 Using Sentinel-2 Images.” Fire 6.7 (2023): 277. https://doi.org/10.3390/fire6070277

 

Tomas, Walfrido Moraes, et al. “Distance sampling surveys reveal 17 million vertebrates directly killed by the 2020’s wildfires in the Pantanal, Brazil.” Scientific Reports 11.1 (2021): 23547. https://doi.org/10.1038/s41598-021-02844-5