Exposição: Fotógrafo de Vida Selvagem do Ano

 

Na mesma semana em que o mundo conheceu as melhores fotografias de vida selvagem de 2025, segundo o Museu de História Natural de Londres, fui visitar a exposição da edição do ano anterior, no Museu Catavento, em São Paulo. O concurso fotográfico “Wildlife Photographer of the Year”, traduzido como “Fotógrafo de Vida Selvagem do Ano”, é o mais longevo especializado no assunto e um dos mais antigos do mundo, ao lado do também prestigiado World Press Photo, cuja exposição em São Paulo terminou em setembro. 

Reunindo 105 fotografias selecionadas na sextagésima edição do concurso, inscritas em 2023 e reveladas ao público no ano passado, a exposição está aberta na capital paulista desde 02 de setembro e ficará em cartaz até 07 de dezembro. Apesar da expografia bastante simples, as obras em formato aproximado de 90×60 cm apresentam a elite da fotografia de vida selvagem, destacando as histórias, equipamentos utilizados, nomes por trás das fotos e a importância das imagens para a conservação da biodiversidade e ecossistemas ameaçados.

 

Um destaque especial é o júri desta edição que contou com o brasileiro Luciano Candisani, um dos maiores documentaristas visuais da atualidade, vencedor do concurso em 2012 e finalista em 2017. Além de Candisani, outros brasileiros de renome também já apareceram dentre as fotos finalistas, como Zig Koch (2013), Ary Bassous (2014) e Fernando Faciole (2025), porém na edição exposta em São Paulo não há nenhuma foto de autoria nacional.

 

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Além de Candisani, o júri presidido pela editora Kathy Moran contou com mais dois homens e quatro mulheres, o que é um grande gesto do Museu para a promoção da diversidade e promoção da paridade de gênero. No entanto, o perfil dos fotógrafos selecionados foi me chamando atenção durante a exposição. Sim, fotógrafos no masculino, pois das 105 fotos expostas, 97 foram feitas por homens (considerando os ensaios, que apresentam várias fotos de um mesmo autor). Além disso, mais de um quarto das fotografias expostas foram feitas em alguma ex-colônia, como Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Índia, Indonésia, Malásia, México, Sri Lanka, Tanzânia e Zâmbia, enquanto somente nove fotógrafos são de algum desses países (Chile, Malásia, México e Sri Lanka: um de cada; cinco indianos). No extremo oposto, 18 fotografias são de autoria yankee, 9 canadenses, 8 australianas, 3 israelenses, 2 chinesas, 2 russas e o restante, 53, de autoria europeia. E mesmo as poucas mulheres selecionadas são todas do norte global. 

 

 

Sendo o julgamento das fotos inscritas feito de forma anônima e a submissão de fotografias grátis para concorrentes da maioria de países ex-colônias, outro belo gesto do Museu de História Natural, esses dados levantados durante a exposição escancaram a triste natureza ainda bastante elitista da fotografia de natureza. Seria estatisticamente improvável ter somente esse perfil “masculino/branco/do norte” selecionado se houvesse uma diversidade real na comunidade de fotografia de vida selvagem. 

 

É importante deixar explícito que não há nenhuma questão pessoal com finalistas, pois além de não ter contato com nenhum, as fotografias são realmente de altíssimo nível e muitos dos trabalhos ressoam em ações práticas de conservação. Muito menos com o júri, que teve uma árdua e épica tarefa de analisar quase 60 mil fotografias de forma anônima. O fato é que a exposição não esconde que há um seleto grupo social com as condições materiais de dominar uma fatia importante do mercado da fotografia e as causas disso são históricas. 

 

Mas entender como a história da arte foi até agora dominada por uma elite também é parte do caminho para superar essa realidade, e exposições de concursos internacionais como essa oferecem uma oportunidade para antropofagar o melhor que vem de fora. Como disse Candisani, ressaltando a fotografia digital, esse “é o momento de experimentar novas maneiras de interpretar” aquilo que está diante das lentes pois, mesmo que ainda aquém do ideal, nunca antes na história da humanidade as lentes estiveram diante de olhares tão diversos e com tantas interpretações que fogem dos ideais colonialistas de arte.

 

 

A representatividade de gênero e geográfica no júri é uma forma incentivar a diversidade, mesmo que ainda de maneira incipiente. Há outros concursos atuais, que certamente também devem ter problemas desse tipo (não conferi, só cito de cabeça), mas destacam mulheres fotógrafas, como Ocean Photographer, ou inclui prêmios regionais, como o próprio World Press Photo. Inspirado nesses casos, desejo que o mais longevo concurso fotográfico de vida selvagem tenha uma vida muito mais longa, ainda mais inspiradora e que revele para o mundo mais talentos de grupos sociais historicamente desprezados, espelhando essa representatividade na comunidade como um todo, para além do corpo julgador. Afinal, a ciência já revelou que a etnodiversidade é fundamental para a conservação da diversidade biológica.

 

Enfim, não posso esconder que o estudo sociológico dos “fotógrafos” de vida selvagem me chamou tanto a atenção durante a exposição quanto as fotografias em si. Agora, o título traduzido da exposição ganha outro significado. Mas ter a oportunidade de apreciar os principais trabalhos fotográficos de vida selvagem de perto e poder reparar nos detalhes é incomparável a somente olhar pela tela do computador e isso vale demais a visita. As histórias contadas ali são uma bela aula de fotografia e conservação então, apreciada criticamente, é um conjunto artístico e científico de valor inestimável. Espero poder ter a oportunidade de ver ao vivo todas as próximas edições do mais longevo concurso de vida selvagem, e desejo que as populações dos territórios fotografados também tenham.