Mil palavras: Sobre concursos de fotografia
Logo no início do ano recebi um email que me deixou espantado. Estava na estrada, com chuva, uma tensão pelo trânsito congestionado, quando fiz uma parada e vi a mensagem.
“It is my great pleasure to inform you that your work has been awarded a Winning Placement in the 2024 Tokyo International Foto Awards – Congratulations!”
Para ver o tal do prêmio tinha que entrar na plataforma do concurso. Com a internet lenta no meio do nada e a volta à estrada, a curiosidade me corroeu por dentro. O que mais me intrigava não era qual prêmio tinha recebido, já que assumia que seria uma menção honrosa. Mas sim, qual era a foto premiada, pois nem lembrava que havia me inscrito naquele concurso.
Com o passar dos quilómetros fui recordando. Pensei muitas vezes antes de me inscrever porque era um concurso caro – a inscrição de cada foto custava em torno de 15 dólares, se bem me lembro. Avaliei bem as possibilidades, vi as fotos premiadas nas edições anteriores, estudei algumas fotos minhas que estavam se destacando em alguns concursos e salões, até que decidi por inscrever uma única foto.
Então uma infinidade de possibilidades se abriram. Como escolher uma única foto para valer o preço da inscrição? Qual seria a foto e em qual categoria? Uma onça na categoria mais ampla de vida selvagem ou uma tartaruga marinha na categoria subaquática? Ou seja, concorrer com leões da Tanzânia ou com as baleias jubarte de Tonga? E se, ao invés, colocar então a tartaruga para competir com os felinos?
Mas tinha outra possibilidade… esquecer a onça, esquecer a tartaruga e ir para a categoria de fotojornalismo. Ou então, alguma aurora boreal na categoria de foto noturna ou de paisagem. Mas e a Orca do Ártico na categoria de paisagem, ou na categoria em preto e branco? Bem, uma decisão precisava ser tomada. O prazo para envio das fotos já estava no limite e, então, veio o pensamento: vale a pena mesmo gastar esses 15 dólares?
Nesse momento a resposta sensata é “não”, não vale a pena gastar 15 dólares para colocar uma única foto em um concurso. A conta é muito simples: para cada foto premiada, milhares recebem apenas um email dizendo “obrigado pela participação, mas dessa vez o júri não escolheu sua foto”. Perdi as contas de quantos já recebi assim e, com cada um, quantos euros, dólares ou reais perdidos também.
Concursos de fotografia são negócios bem lucrativos. Com atuação em âmbito global, é relativamente fácil montar uma empresa de concursos em algum local onde a taxação é pequena, os custos de operação são baixos e, ainda assim, as cobranças são feitas por PayPal em dólar ou euro. Sem a necessidade de declarar a quantidade de participantes, portanto do número de inscrições bem sucedidas, é impossível saber a receita dessas empresas que estão se especializando na organização de grandes concursos globais.
Em contrapartida, os concursos oferecem ampla divulgação dos resultados nas redes sociais, algum prêmio em dinheiro e exposições coletivas presenciais com as fotografias premiadas, o que de fato não é barato – ainda assim longe do captado pelo alto custo das inscrições.
E o que isso tem de ruim? Legal e moralmente, o definhamento da conta bancária de quem se dedica a concursos de fotografia e, talvez, alguma possível evasão de divisa ou sonegação de imposto de renda das empresas organizadoras. Mas a situação já foi pior e, em alguns casos, ainda é. Inúmeros concursos de fotografia (e arte em geral) são puramente trabalhos especulativos (em inglês, spec work), onde a pessoa envia sua arte na esperança de ter algum reconhecimento e, no fim, acaba alimentando gratuitamente bancos de imagens para organizações ou empresas que detém o uso irrevogável, infinito e grátis dos trabalhos submetidos.
Parece absurdo, mas é real e é muito comum ler nos regulamentos coisas assim: “If you submit a photograph to the Photo Contest, you grant [the organization] and its related entities such as parents, affiliates and subsidiaries a worldwide, royalty-free, non-exclusive right in perpetuity to use the photograph submitted for any purpose, including but not limited to…” seguido por uma lista de uma dezena de usos possíveis da fotografia, incluindo para uso comercial sem o pagamento de direitos. É tão ridículo que chega a incluir o uso da fotografia para quinquilharias como calendários, canecas, bonés, adesivos, imãs de geladeira etc. E isso não se limita às fotografias premiadas. É válido para todas as fotografias submetidas já que, no momento da inscrição, as pessoas declaram ter lido e estar de acordo com esses termos.
Recentemente a CONFOTO (Confederação Brasileira de Fotografia) fez um trabalho muito interessante com um grande concurso sediado no Brasil, o Brasília Photo Show. Até as edições em que a CONFOTO não era parceira, todas as fotografias inscritas iam para um banco de imagens tipicamente especulativo. A partir de 2023, como condição para a parceria, o concurso passou a incluir no regulamento: “As fotos participantes do Festival Brasília Photo Show, independente de serem vencedoras, não serão utilizadas pela organização para alimentar banco de imagens sem a aprovação do participante e nem repassadas para parceiros comerciais ficando o próprio participante responsável por comercializar”.
Não acho que esse seja o caminho para todos os concursos, já que alguns são meramente especulativos e com a finalidade única de estabelecer bancos de imagens. Grátis ou não, nacional ou global, com promessas de grande exposição ou não, nunca participo desse tipo de concurso.
Então, como identificar concursos que valem a pena entrar? Quando me deparo com algum que tenha a ver com meu tema de fotografia e, independente do preço, sigo esses critérios:
- Ler o regulamento. Se o concurso for para montar banco de imagens (spec work), está descartado, independente do que oferece. Aliás, a leitura do regulamento também evita dores de cabeça com tamanho e resolução de imagens, bem como outros requisitos que podem levar à desclassificação.
- Uso de modelos generativos (vulgarmente conhecido como IA). Não vou entrar no mérito dos modelos generativos de imagens aqui, mas se não há um tratamento específico para diferenciar fotografias de imagens geradas total ou parcialmente por modelos treinados às custas de outras imagens (como de concursos especulativos), também tendo a não participar. Muitos concursos têm uma categoria específica para esse tipo de imagem, o que é importante para não misturar com a fotografia feita com uma lente e um sensor que capta a luz.
- Quem participa no júri? Tendo lido o regulamento e estando de acordo com as condições, busco saber quem vai olhar as fotos. Se o concurso for grátis isso acaba sendo menos importante mas, de todos modos, quero saber se há gente do mundo da fotografia que eu gostaria de mostrar meu trabalho.
- O preço. Se a inscrição é grátis, a decisão fica mais fácil. Se é um concurso pago, então o maior peso da decisão está no júri.
Em resumo, se o concurso não se caracteriza como um trabalho especulativo, o júri é mais importante para mim do que o preço. E o motivo para isso é muito simples: colocar meu trabalho na mesa de quem tem experiência na fotografia, principalmente se forem minhas referências, como foi no caso do concurso Ocean Photographer of the Year, no qual fui finalista em 2022.
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Nessa ocasião, tive minha foto julgada por algumas das minhas principais referências na fotografia: Cristina Mittermeier, Paul Nicklen e David Doubilet, quem disse que aquela era uma das melhores fotos de Nazaré que ele já tinha visto. E isso para mim vale mais do que qualquer premiação no concurso. Como resultado, fui convidado para contribuir com o livro Le Mer, da organização Repórteres Sem Fronteiras, junto a alguns dos maiores nomes da fotografia mundial.
Outro caso muito legal de 2024 foi ter ganhado o concurso da ONG Budiões. Apesar de não ser um concurso de alcance global e não haver grande exposição do trabalho, também tive o trabalho avaliado por algumas grandes referências, tanto de fotografia como de vídeo. E, também, houve um concurso no qual não fui selecionado, mas tive a grata oportunidade de conhecer um dos jurados alguns meses depois. Para minha surpresa, falando de fotografias, ele disse lembrar e de ter selecionado uma das minhas fotos, mas acabou não passando pelo crivo final de todos os integrantes do júri. Nesse caso, era mais uma grande referência que validava meu trabalho.
Então, por que decidi participar desse concurso de 15 dólares com uma única foto, e que nem lembrava dele? Por ser uma forma de mostrar meu trabalho a um grande grupo de especialistas, incluindo galeristas importantes. Como escolhi a foto? Ao invés de arriscar uma que ainda não havia sido julgada, selecionei a tartaruga que já havia sido destaque com menções honrosas nos concursos Black and White Photography Awards, International Photography Awards (IPA) e Prix de la Photographie de Paris (PX3). Assim, deleguei a curadoria aos júris de outros concursos.
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Por fim, duvido que esse prêmio vá me trazer resultados imediatos, além de gente me seguindo nas redes sociais. Mas sei que esse tipo de validação é importante na longa caminhada pela consolidação da carreira artística. No curto prazo, fica a felicidade de estar entre um seleto grupo de pessoas que têm sua arte premiadas pelos principais nomes da fotografia mundial.