Foto do mês (Edição de junho de 2024): Hora dourada



Escrever sobre o pôr do sol é tão difícil quanto fotografá-lo. É tão comum, corriqueiro, banal. Tão certo de que vai acontecer que as lentes apontam para o outro lado. Preferem a iluminação da hora dourada, a luz suave, os contrastes balanceados. 

 

É tão efêmero, monocromático e pontual que tem até quem chame de “ordinário”. Às vezes até dizem “hoje o pôr do sol foi bonito”,  como se os outros fossem feios. 

 

Quando toca no horizonte, uma parte do planeta esfria, silencia e se esconde. Mas há outra parte que aquece e desperta. E luta para sobreviver enquanto é dia. 

 

E se o sol fosse como as sempre-vivas*, cuja cor dourada resiste ao tempo? Nos pólos ele até aguenta, incansável, por meses. Mas depois precisa de outros tantos meses, de sono profundo, para se recuperar lentamente.

 

A resistência ao tempo é relativa. Algum dia, o dourado do sol e das sempre-vivas vai se apagar para sempre. Nesse dia, as lentes não apontarão para nenhum lado, não haverá contraste e fotografar o pôr do sol, as sempre-vivas e a paisagem sob a luz dourada não será mais possível. 

 

Enquanto o tempo resiste, fotografar o ordinário é tão difícil e bonito quanto escrever sobre isso.

*Sempre viva é um nome popular de plantas de várias famílias botânicas, e é uma das plantas icônicas do Cerrado. Em alguns lugares, como na Chapada dos Veadeiros, também são conhecidas como “chuveirinho”, ou “capim-dourado” no Jalapão. Uma característica importante das sempre-vivas é que, após colhida, não perdem sua cor e, por isso, são muito utilizadas para ornamentação e fabricação artesanal de utilidades como chapéus e bolsas. Na Serra da Canastra, onde essa foto foi feita, são chamadas “sempre-viva” as plantas da espécie Paepalanthus elongatus, da família Eriocaulaceae. Porém há cerca de 20 espécies do mesmo gênero somente na região da Canastra, e talvez algumas outras ainda por serem descritas e potencialmente ameaçadas de extinção pela perda de habitat.